segunda-feira, 5 de setembro de 2011

:: “Eu mergulhei nos teus beijos quando abri o cofre da minha ilusão”::*

Escritos de Alice

Terça-feira, Fevereiro 08, 2011

:: “Eu mergulhei nos teus beijos quando abri o cofre da minha ilusão”::*

Ana desenha para passar o tempo, possui um pequeno negócio e é ávida amante de comidas frugais e vinhos brancos. É uma mulher extrovertida, engraçada e irônica, uma combinação agradável se somada a sua meiga face e seu sorriso fácil. Pedro luta Krav Magá, tem aversão a beterrabas [trauma de infância] e adora uma comida bem temperada. Eles se conheceram há aproximadamente 3 meses na turma de culinária internacional II, curso que fazem nas noites das quintas-feiras. Solteiros, em certa medida carentes, não demorou muito para que começassem a sair.

O viço da sedução em seu ápice faz com que se sorvam como se sorve água após uma maratona. Enfrentam-se com urgência, com olhos enfermos e transformam qualquer lugar em agreste. Pedro é um amante dedicado, atento aos mínimos detalhes da latência de um corpo. Ela o ouve e o segue docilmente. Para eles, o entardecer é visto como um chamado para que seus corpos sejam tocados, é quando suas mãos delineam coxas, peitos e perfumes.

No entanto, esses dois, desprovidos de força e de escuridão, às vezes, traçam conversas honestas e biliosas. A última provocou em Ana uma boa catarse, tanto que ao final mal conseguia esconder seus gemidos.

Há alguns anos, pessoas mais próximas e amigas escutam de Ana a seguinte frase: “não quero mais um namorado, quero um amor.” Dramatizações a parte, essa sentença apresenta uma de suas verdades. Pensando e se guiando por essa afirmação, ouviu domingo da boca de Pedro a seguinte colocação: “nós temos um relacionamento, mas não somos namorados.”

Palavra?

Imersa em si mesma, rememora as poucas semanas ao lado dele, a surpresa deixada no armário que causou um abafamento e um enorme sorriso, frases carinhosas ao longo dia que encabulam e desconcertam, sms provocativos que a umedecem, conversas deliciosas que só de ouvir a faz experimentar um êxtase divertido, passeios a museus e idas ao cinema transformadas em contemplação.

Ela se assombrou. Aquelas lembranças a conduziram a uma constatação que tomou conta de seu corpo. Febre. Tirou os sapatos, buscou contato imediato com a superfície. Uma serpente subiu pelo seu corpo e entregou-lhe o conhecimento. Aproximou-se da janela do quarto, apoiou-se delicadamente. Naquela noite, contemplou um céu urbano, frio e sem estrelas em agradecimento. Agradeceu por não viver as cobranças insensatas, por não presenciar a mendicância do afeto, por não ter que tentar estabelecer diálogo com alguém colérico em devaneio, agradeceu por ser livre, por vivenciar pitadas de amor, de delicadeza, de alumbramento, de tremedeira, de vontade. Pensou: Pedro, não namore assim comigo todos os dias. Deixe-me sempre em azeitoso espasmo.

Ana e Pedro não namoram, não vivem a rotina translúcida e opaca, não tem rótulo, mas se beijam muito. Ana e Pedro se (re)(des)encontram.

* verso retirado da música Beijos, de Cartola.

Nenhum comentário: